A CULPA É DA COMUNICAÇÃO SOCIAL. Não tem nada que divulgar a “sujeira que sai da boca dos outros”

11-05-2022

Não obstante, é verdade indiscutível que, assim como nos romances policiais se diz que o culpado acaba por ser sempre o mordomo, a imprensa sai das crises com a pecha de ter contribuído para agravar a "sujeira" que sai da boca dos outros.

O termo "lixeiro", bem a propósito, lembra a palavra em inglês muckraker("aquele que divulga a sujeira", numa tradução livre). Era com essa palavra, muckraker, que o presidente americano Theodore Roosevelt (1858-1919) se referia por vezes a repórteres e aos seus patrões, como Joseph Pulitzer (1847-1911), a quem tentou processar em função das revelações que o jornal World(de Pulitzer) fizera sobre a construção do Canal do Panamá, ainda nos primeiros anos do seu governo (que se estendeu de 1901 a 1909) (Pulitzer, 2006, p.7).

A estranheza entre a lógica do poder e a nobre missão dos que publicam notícias tem a mesma idade que a democracia moderna. Vem do século XVIII. É estrutural e estruturante. Tanto que, mesmo aqueles políticos originados do ramo das comunicações, empresários ou jornalistas de projeção, adotam, uma vez no poder, um olhar tenso em relação aos meios de comunicação. Às vezes, agridem verbalmente os velhos colegas de ofício. Outras vezes, chegam a processá-los. O caso mais, por assim dizer, caricato, mas profusamente expressivo, é o do italiano Silvio Berlusconi, magnata da TV italiana e ex primeiro-ministro do seu país, que desde o início de 2009 vem-se dedicando ao "desporto" de jogar nos veículos informativos a responsabilidade pelas vergonhas que marcaram o seu governo, como a de ter sido fotografado, na sua propriedade, ladeado por prostitutas.

"POBRES JORNALISTAS!", exclama o francês Yves Mamou (1992, p.201), na conclusão do seu livro A culpa é da imprensa. "Quando a calma reina na sociedade, são acusados das piores conivências com as suas fontes. Quando uma crise explode, transformam-se em perseguidores dos seus informadores...".

O modo como a síndrome de pôr a culpa na comunicação social se espraia como um denominador comum pelas mais disparatadas doutrinas e correntes ideológicas. Há um exemplo antigo, já quase esquecido, que é bem ilustrativo. Mostra que o discurso do poder contra os jornais, qualquer que seja o poder, praticamente desconhece variações. Mudam apenas os protagonistas. No mais, até mesmo as palavras que eles usam são as mesmas.

O líder da Arena via no noticiário uma "campanha articulada" contra o governo, campanha da qual "o grande veículo" seriam "os jornais". Ele falava como se o seu governo fosse injustiçado, perseguido, mas, no fundo, o seu discurso era o discurso do poder. Na visão do poder, as responsáveis pelo mal-estar e pela insatisfação da sociedade só podiam ser as redações. Quem mais?

O discurso anti-comunicação social não varia, é monocórdico e nós já sabemos isso há mais de 25 anos. Só mudam os protagonistas.

Fonte:

https://www.scielo.br/j/ea/a/7TTgktYF8Wbmwf8jYZnrpbK/?lang=pt

ARB

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