Alterações climáticas: relatório confirma Portugal como país a necessitar de fortes medidas de adaptação climática
Foi hoje apresentado o relatório(1) do
segundo grupo de trabalho do Painel Intergovernamental para as Alterações
Climáticas (Intergovernmental Panel on
Climate Change - IPCC), relativo aos impactes das alterações climáticas,
adaptação e vulnerabilidade. O relatório mostra em detalhe como as alterações
climáticas, provocadas pelo ser humano devido a uma perigosa dependência dos
combustíveis fósseis, estão a contribuir para a pobreza, a falta de segurança
no abastecimento de alimentos e água, a extinção das espécies e perdas e
danos globais. Esta nova avaliação do IPCC mostra que a extensão e magnitude
dos impactes das alterações climáticas
são maiores do que os estimados no anterior 5.º relatório, de 2014. Sem
medidas urgentes para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, a adaptação às
alterações climáticas terá custos mais elevados, será menos eficiente e, nalguns
casos, será simplesmente impossível, resultando em perdas e danos
inevitáveis. Algumas populações já estão a atingir os limites para a adaptação
às alterações climáticas, nalguns locais estes limites serão atingidos mesmo
antes da temperatura média global exceder os 1,5ºC.
Análise dos resultados para a Europa
Atualmente, um planeta 1,1°C mais quente já está a afetar os sistemas naturais e humanos na Europa. O 6.º relatório do IPCC conclui que, desde a última avaliação, houve um aumento substancial nos impactes das alterações climáticas na Europa que resultaram em perdas e danos nos ecossistemas, nos sistemas alimentares, infraestruturas, disponibilidade de energia e água, economia e saúde pública. O aquecimento na Europa continuará a aumentar mais rapidamente do que a média global, aumentando as disparidades em todo o continente. As projeções indicam impactes substancialmente negativos para as regiões do sul, como por exemplo, aumento das necessidades de arrefecimento, escassez de água e diminuição da produtividade agrícola, enquanto que nas regiões norte são previstos alguns benefícios de curto prazo, como por exemplo, o aumento do rendimento agrícola e expansão florestal.
Quatro riscos principais foram identificados para a Europa no geral:
- Aumento da mortalidade e morbilidade, em qualquer cenário.
- Escassez de água representará um alto risco mesmo num cenário de 1,5°C no sul da Europa e muito alto para cenários mais extremos.
- Diminuição da produtividade agrícola: devido a uma combinação de calor e seca, são projetadas perdas substanciais de produtividade agrícola que não serão compensadas pelos ganhos no norte da Europa.
- Aumento de eventos de precipitação extrema e inundações: esperam-se ainda alterações nos padrões de precipitação, aumento do nível do mar e aumento dos riscos de inundações costeiras, fluviais e pluviais. Prevê-se que os danos causados pelas inundações costeiras aumentem pelo menos 10 vezes até ao final do século ou ainda mais cedo com as atuais medidas de adaptação e mitigação.
Com o aquecimento, espera-se ainda perturbações nos ecossistemas, devido a uma diminuição do espaço de habitat adequado para os atuais ecossistemas terrestres e marinhos, o que alterará irreversivelmente sua composição.
Análise dos resultados para Portugal
Portugal encontra-se entre os países da Europa em situação de maior vulnerabilidade às alterações climáticas, dadas as suas características geográficas e climatéricas. Estamos numa situação particularmente vulnerável à subida do nível médio do mar e a fenómenos meteorológicos extremos que potenciam outros efeitos, tal como a seca que marca a atualidade Portuguesa. Estes efeitos tenderão a aumentar no futuro e por isso devem ser tidos em consideração em estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas para evitar perdas e danos adicionais para o nosso país.
5 linhas de ação recomendadas à União Europeia
Este relatório deve mobilizar urgentemente a ação política global, particularmente nos países desenvolvidos, para aumentar substancialmente os fundos para a adaptação às alterações climáticas e ainda para chegar a um acordo na 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas - COP27 relativamente a um mecanismo de financiamento separado para atender exclusivamente às perdas e danos. Neste contexto, recomenda-se 5 linhas de ação-chave para os decisores políticos Europeus:
- Mitigação: o relatório demonstra claramente que os impactes das alterações climáticas serão cada vez mais negativos, de longa duração e parcialmente irreversíveis, para uma temperatura acima de 1,5ºC. A União Europeia (UE) deve alinhar-se numa trajetória justa de 1,5ºC para uma redução de pelo menos 65% das emissões até 2030, e conceber em conformidade o seu pacote legislativo (Fit for 55), atualmente a ser negociado.
- Aumentar o financiamento destinado à adaptação: na COP26 os países desenvolvidos comprometeram-se a duplicar o financiamento destinado à adaptação às alterações climáticas até 2025 (relativamente a 2019), embora mesmo uma duplicação do financiamento fique aquém de atingir 50% da meta dos 100 mil milhões. A UE e os seus Estados-Membros precisam de demonstrar em termos muito concretos e o mais tardar até à COP27, como planeiam atingir esta meta e cumprir a Estratégia de Adaptação da UE, com prioridade absoluta nas subvenções para a adaptação e mais esforços para apoiar abordagens bottom-up, na qual se inclui o cumprimento dos Princípios da Adaptação locais.
- Estabelecer financiamento adicional direcionado para perdas e danos nos países em desenvolvimento: a COP26 estabeleceu um processo (Diálogo de Glasgow) para explorar opções de financiamento direcionadas para perdas e danos nos países em desenvolvimento. A UE deve estar preparada para o Diálogo de Glasgow com maior abertura, para ouvir as opiniões e propostas dos países vulneráveis sobre as necessidades de financiamento, incluindo opções para financiamento novo e adicional, acordos institucionais baseados nas necessidades, e preparar-se para compromissos mais concretos na COP27.
- Igualdade, justiça, direitos humanos e género: à luz das conclusões do relatório sobre os benefícios de abordagens equitativas e justas para combater os impactes climáticos, a UE deve fortalecer a procura pela justiça, direitos humanos e igualdade de género tanto internamente quanto na sua cooperação sobre adaptação e perdas e danos, conforme indicado também pelas Conclusões do Ministro das Relações Exteriores de 21 de fevereiro.
- Adaptação na UE: como parte da estratégia de implementação de adaptação da UE, os decisores políticos precisam de familiarizar-se completamente com as conclusões do relatório, a fim de enfrentar os impactes climáticos de forma científica e proteger os seus cidadãos. A UE deve também fazer uso da sua cooperação com os países em desenvolvimento para aprimorar as suas estratégias de adaptação e gestão dos riscos climáticos.
As perdas e danos não são uma questão abstrata para o futuro; já estão a afetar 1,7 mil milhões de pessoas em todo o mundo, e o número de pessoas afetadas aumentará significativamente nos próximos anos. Os países desenvolvidos devem oferecer apoio financeiro e técnico existente, enquanto exploram opções de financiamento inovadoras para atender às necessidades das populações mais vulneráveis impactes das alterações climáticas.
Neste ambiente de guerra que estamos a viver, para além de todos os prejuízos humanos e também materiais e económicos que a população da Ucrânia está a sofrer, a ZERO considera que o conflito terá ainda prejuízos dramáticos para a política global e de diversos países de combate às alterações climáticas, ao redirecionar recursos e ao espartilhar uma unidade diplomática absolutamente necessária. O 16.º Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável acordado em 2015 está claramente em falha - Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Acrescente-se ainda os prejuízos ambientais já visíveis com a destruição de refinarias e consequente poluição e o risco acrescido na afetação de centrais nucleares (desde a zona de Chernobyl a centrais em operação).
(1) Relatório disponível em https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/
A extensão e magnitude dos impactes das alterações climáticas serão mais graves do que previamente estimados
Evitar o aumento da temperatura média global em mais de 1,5ºC ainda é possível, mas requer uma ação e mobilização urgente da sociedade
Apelo aos países da Europa e UE para ação urgente sobre perdas e danos
Características geográficas e climatéricas colocam Portugal em situação de maior vulnerabilidade
Recomenda-se
5 linhas de ação-chave para mitigação e adaptação, financiamento, perdas e danos e para transição justa
Banir combustíveis fósseis são parte imprescindível da redução das emissões pelo menos 65% até 2030
O relatório urge o fortalecimento das medidas climáticas da UE em prol da justiça, direitos humanos e igualdade de género tanto internamente quanto em sua cooperação sobre adaptação e perdas e danos
CONTACTO
Bárbara Maurício / barbara.mauricio@zero.ong / 926 363 222
Maria Santos / maria.santos@zero.ong / 935 450 785